Esta edição faz parte do Amigo Secreto do grupo Newsletters BR, formado após o evento O texto e o tempo. Foi combinado uma troca de cartas entre quem estava participando e esta é a minha.
22 de dezembro de 2022
Cara amiga secreta,
Eu até gostaria de fazer mistério sobre quem eu tirei, mas ao invés disso vou direto ao ponto. Na sua newsletter, você tem postado uma ficção seriada, Técnicas Sanguíneas, e tinha pedido para que as pessoas que lessem comentassem sobre algumas coisas. E, como alguém que também escreve, sei que a gente gosta de poder compartilhar e conversar sobre o que escreveu. Então: vamos falar de Técnicas Sanguíneas!
Okay, antes de entrar no assunto, eu queria dizer que assinei a sua newsletter antes do amigo oculto, mas estava aguardando você terminar de postar a história para poder ler tudo de uma vez. Isso graças ao trauma de uma adolescência lendo fanfics que foram abandonadas no meio do caminho e até hoje não tiveram fim.
Mas mesmo assim, assinei a newsletter porque eu amo a premissa de departamento secreto que investiga coisas sobrenaturais. Algumas das minhas mídias favoritas têm essa premissa, como YuYu Hakusho, Buffy, Tochwood e Guardian. E se você tiver outras para recomendar, eu vou adorar!
Eu acho que esse tipo de história precisa de duas coisas para funcionar: personagens cativantes e uma construção de mundo criativa. Porque você só quer descobrir os mistérios que cercam essas histórias investigativas se você gosta do(s) personagem(s) e se o universo te dá possibilidades para todo tipo de coisa.
A sua construção de mundo é feita devagar, sem os famosos “infodump” que acabam por dificultar a entrada em um novo universo. Eu sempre fico muito confusa quando começo a ler/ver algo e tenho que lidar com trinta nomes diferentes, porque eu sou péssima com nomes. Então, eu acho que você conseguiu ir apresentando os personagens e seus arredores a conta-gotas, sem sobrecarregar quem lê.
O primeiro surto é que você escreveu uma história de vampiros mafiosos! Que são duas temáticas que eu adoro! O fato de você ter escolhido dois tipos de história (máfia e vampiros) que já são estabelecidos também ajuda a familiarizar com o universo que você criou.
Lendo Técnicas Sanguíneas é possível saber o apreço que você tem por histórias de vampiro. Está na forma como você pincela algumas temáticas clássicas do gênero: a estranha e paralisante fome por sangue; o dilema moral de se alimentar ou não; poderes sobre-humanos como a Influência, mas com aquele toque extra de nunca saber exatamente tudo o que um vampiro é capaz.
Eu particularmente gosto muito desse conceito de vampiros se tornarem mais poderosos com o avançar do tempo, como uma forma de torná-los ainda mais um reflexo invertido da humanidade. Não estão vivos, não envelhecem e, com a passagem do tempo, tornam-se ainda mais poderosos. Para eles, a juventude é que se torna sinônimo de fraqueza e morte.
Confesso que dei uma risada quando você nos apresentou à academia dos vampiros. Assim como Daisuke, fiquei tendo dúvidas aleatórias como: será que tem Whey para vampiros? E pensando que eu seria uma vampira muito reclusa e sedentária, porque meu primeiro instinto seria ir para uma biblioteca e me trancar lá, bem longe de qualquer academia.
E já que estamos falando do Daisuke... Ele é um personagem bastante pragmático. Há conflito moral e autoconsciência nas ações que vão contra seus preceitos, mas sem o tornar um personagem melancólico, focado apenas no lado ruim de sua transformação. Ele é observador e curioso, que são características que eu aprecio num detetive. Gostei bastante da forma como ele vai testando seus limites aos poucos e conduzindo pequenos experimentos enquanto analisa seus arredores.
Melhor ainda porque na maioria das vezes ele não ganha respostas, apenas mais dúvidas. E algumas delas são ridículas e nada práticas, mas com certeza o mesmo tipo de pergunta que eu teria se fosse transformada em vampira.
Inclusive, enquanto lia fiquei pensando: nesse formato de vampiros mafiosos e territoriais, o que acontece com os vampiros que não são de uma facção? Que não se prendem a um vampiro sangue-puro? E logo extrapolei: existe vampiro freelancer nesse universo? Tem vampiro sem teto?
Questionamentos aleatórios à parte, dá para entender porque você classificou essa história como um “angst slice of life”. Porque há uma solidão quase compulsória na transformação de Daisuke. Ela automaticamente invalidou sua humanidade e findou sua carreira de caçador de vampiros. Porém, ele também não quer ser um vampiro – apesar de já ser tarde demais para se lamentar por isso. Mais do que ser transformado em vampiro, ele foi expulso de sua humanidade sem seu consentimento.
Por isso gostei bastante da relação que ele tem com Hana e Charlotte. Ainda que haja a fome, o que realmente o enfraquece é essa ausência de conexões. A perda abrupta dos laços anteriores e a relutância em formar novos laços em sua atual condição. Pensando nisso, a relação dele com Charlotte parece ainda mais relevante, já que ela também se mostra disposta a atravessar o véu entre os dois mundos — humano e vampírico — para reestabelecer a amizade e parceria deles.
Do outro lado, estão Haruka e Alana, como lembretes de quem ele é agora, com interações assimétricas e potencialmente fatais. Acho que é justo dizer que eu e Daisuke estamos na mesma, já que Haruka alugou um triplex em nossas mentes. Estamos nós dois muito desconfiados e sem entender os interesses dela. O que será que ela ganha com tudo isso? Porque eu não acho que ela tenha simplesmente decidido arrumar um novo "bichinho de estimação" — adotar um gato seria mais fácil.
Já Alana me faz lembrar o quanto eu adoro personagens femininas vilanescas. Por um mundo com mais personagens femininas inequivocamente ruins, por favor! Aguardo a segunda parte da história para ver mais dela.
Quanto ao texto, fiquei curiosa para saber o nome original em inglês (porque amo um trocadilho). Acho que você conseguiu passar bem a história para o português, mas em algumas breves passagens eu senti um pouco de “tradutês” — frases que, traduzindo de volta ao inglês, pareciam fazer mais sentido no contexto. Porém, nada que uma preparação de texto não resolva, caso você siga em frente com a ideia de publicar em outras plataformas.
Por fim, queria dizer que fiquei realmente feliz em tirar você no amigo secreto. Acho impossível participar de um amigo secreto cheio de gente que você não conhece e não ficar preocupada. Mas quando vi o seu nome pensei: ah, ótimo, alguém que eu conheço!
Ainda que não sejamos tão próximas, nossos caminhos vêm se cruzando já tem algum tempo: primeiro no grupo da Mafagafo, depois os papos soltos pelo twitter e até ter betado uma história sua. Tudo isso me deu mais segurança em escrever esta carta.
Agora, aguardo as próximas edições de Técnicas Sanguíneas para ver se a gente finalmente descobre os planos de Haruka! E me ofereço para betar a história (ou as próximas partes), se você quiser.
Com carinho,
J. Venegas Álvares
PS: você provavelmente já viu, mas o manga de Akatsuki no yona, que você disse ser uma referência para sua história, acabou de ser licenciado no Brasil!
Lendo a sua história eu pensei...
No filme Thirst. Acho que o único ponto em comum são os protagonistas insatisfeitos com suas condições vampíricas, mas é um filme sanguinolento e divertido!
Na série What We Do In The Shadows, um slice of life sobre vampiros caóticos e sem nenhuma noção.
Nessa música como trilha sonora não oficial do primeiro capítulo
Você também pode acompanhar a história da Ana Carolina. Ela também está com uma prosposta de maratona de escrita coletiva para o mês que vem!
E aqui a lindíssima carta que a Paula Maria mandou para mim! Fiquei toda feliz <3
Algo a acrescentar? Algum pitaco para dar? Erros gramaticais imperdoáveis? Basta responder a este e-mail ou me encontrar lá no twitter (enquanto ele durar)!
E você pode encontrar minhas histórias já publicadas aqui!
Se gostou deste texto, você pode compartilhar ele por aqui:
Até a próxima edição!
J. Venegas Álvares
Eu fiquei feliz demais com os seus comentários, é muito especial pra mim alguém ler e perceber e falar sobre o isolamento do Daisuke. Também fico feliz dele ser gostável e de você gostar do ritmo que as coisas sendo apresentadas, um dos meus maiores medos era de acharem tudo parado demais. (Whey para vampiros me pegou kkk).
Sempre que alguém faz comentários, eu morro de vontade de dar spoilers, mas vou tentar canalizar essa energia para escrever a parte 2 mais rápido (eu aceito a oferta de betagem, seria uma honra pra mim).
Tudo que eu acho seguro falar é que a Haruka também vai ter a evolução dela como personagem.
Sobre o título, existia um diálogo - parte da "apresentação de slides do chefe sobre os poderes dos vampiros" - onde dizia "these bloody vampires and their bloody techniques" em vez de "blood techniques" (que era o título). Espero que não seja uma explicação muito decepcionante 😅 (O tradutês costumava ser muito pior, a primeira versão não era apropriada para ser lida por seres humanos, mas realmente preciso de um olhar externo, porque meu olhar não pega mais nada)
Amei as recomendações, estou ouvindo a música agora.
Feliz demais por receber uma carta de alguém que eu conheço e escreve super bem <3